Monday, April 27, 2009

Uno - Unidade - Religare - Autonomia

Por: Maria Odete Madeira
O termo uno, do latim unus, com o significado de único, indivisível, irrepetível, é um nome para designar uma forma, qualquer forma, ente, entidade, estrutura ou padrão individuado, que, enquanto tal/tais, possui(em) uma identidade que é conforme a uma ideia (eidos) de unidade, do latim unitas/atis, definida como uma propriedade exemplificada por qualquer/quaisquer identidade(s), tais como: ente(s), entidade(s), processo(s), situação(ções).

A unidade é, em si mesma, descrita pela sua coesão interna, consistência e coerência. Tudo aquilo que é uno, ou único, participa, ou tem unidade, porque ter unidade é ser único, irrepetível. Cada ente, ou entidade, é uno: ens et unum convertuntur, porque cada ente possui uma identidade que o religa (religare) e determina em si mesmo e por si mesmo, naquilo que é a sua autonomia, a saber: referência a si, enquanto posição rotativa de si mesmo, em si mesmo e por si mesmo.

Saturday, April 25, 2009

A negação do Ser pelo Ser: Ser e Nada

Por: Maria Odete Madeira
Em O Sofista de Platão, é refutada a tese de Parménides sobre o Ser. Pensando com Parménides acerca do Ser, tudo o que é possível dizer do Ser, ele próprio, é que o Ser, ele mesmo, é o que é.

No modelo de Parménides, a única afirmação legítima, acerca da verdade do Ser, é que a verdade do Ser é uma tautologia. Das coisas, dos entes ou entidades, apenas pode ser dito que são, elas mesmas, as próprias coisas, os próprios entes ou as próprias entidades.

Não abrindo lugar para os géneros e para a comunicação entre os géneros, Parménides fechou o discurso acerca do Ser imobilizando o próprio Ser no Ser. A tese de Parménides é a de que apenas o Ser é, definindo o Ser como um todo (uno) absoluto, indivisível, imóvel, finito, (acabado) e perfeito, semelhante a uma esfera cujas partes distam, igualmente, do centro.

Platão sinalizou a importância de construir uma nova tese que abrisse o Ser ao devir de si mesmo, enquanto Ser, em si mesmo, mantendo a sua integridade e, assim, a sua identidade. Para isso, o Não-Ser do Ser tinha, de algum modo, de poder ser.

Assim, foram considerados, em O Sofista: o Ser, o Movimento e o Repouso. Comunicariam, estes, entre si? Ou a comunicação não seria possível? Se a comunicação fosse possível, comunicariam todos? Ou uns comunicariam e outros não?

Quando falamos de alguém e dizemos que esse alguém é alto ou baixo, falamos, desse mesmo alguém, como se fosse múltiplo? Se pensarmos que os géneros não comunicam entre si, apenas podemos dizer de alguém que o mesmo alguém é alguém e que o alto é o alto, ele mesmo, ou que o baixo é o baixo, ele mesmo.

Se os géneros não comunicassem entre si, seria legítima a afirmação de que o discurso acerca do Ser apenas poderia afirmar que o Ser é o Ser. Se todos os géneros comunicassem com todos os géneros, daria uma certa confusão, pois, haveria combinações que, entre elas, seriam contraditórias. A hipótese aceitável, para Platão, era a de que alguns géneros comunicariam entre si e outros não, tal como as letras de um discurso, ou os sons de uma sinfonia.

Dos três géneros considerados: o Ser, o Movimento e o Repouso. O Movimento e o Repouso não comunicariam, mas o Ser comunicaria com os dois, porque ambos são. Assim, cada um deles é outro, em relação aos outros dois, e é o mesmo, em relação a si próprio. Temos, pois, que o Outro e o Mesmo são dois géneros que não são o Movimento, o Repouso ou o Ser. Podem considerar-se, assim, cinco géneros, a saber: o Ser, o Movimento, o Repouso, o Outro e o Mesmo.

O movimento é Ser porque participa do Ser, mas sendo Outro, relativamente ao Ser, é Não-Ser. Podemos, deste modo, pensar que assim se passa com todos os géneros. A natureza do Ser, tornando cada Um, Outro, relativamente ao Ser, faz dele um Não-Ser.

Assim, os outros são tantos, quantas vezes o Ser não é, pois, o Ser não é contrário ao Ser. É apenas outro, ou seja, a Alteridade, e não o impensável contrário absoluto do Ser. O movimento é o Não-ser do Repouso, o qual é, ele próprio, o Não-Ser do Movimento. É, pois, cometido o parricídio, o modelo de Parménides é refutado, por Platão: a natureza do Outro existe e fragmenta-se nas suas relações naturais. Cada porção de Ser que se opõe ao Ser é Não-Ser. Os géneros comunicam uns com os outros e o Não-Ser comunica com todos.

A partir de O Sofista, a negação do Ser pelo Ser adquiriu uma realidade ontológica efectiva irreversível, o Ser deixou de ser, apenas, Ser para passar a Ser: Ser e Nada.
Bibliografia:

Platão, Le Sofiste- Tomo VIII – 3ª. Partie, traduzido por Auguste Diès, Société d’Edition «Les Belles Lettres», Paris, 1985

Saturday, April 18, 2009

Natureza - Mundo - Cosmos

No pool genético das palavras, transmissores e veículos de transmissão jogam o jogo "da sobrevivência", traçando projectivamente um sentido de essência subsistente ou eidos de teia de solidariedade sincrónica rotativa.

Considerados os termos Natureza, Mundo e Cosmos, estes podem ser abordados como um exemplo de compatibilidade genética sincronizada, exemplificadora do mesmo eidos  de teia.



Natureza do latim natura (gnatura, natus, gnatus nasci) com o significado de fazer nascer  tem o seu equivalente grego em ousia que significa: produzir, fazer nascer. A equivalência dos termos faz  deslocar uma semântica de paralelismo condensado que os conecta com o termo grego gignomai que significa: chegar a ser. Por sua vez, natura e ousia estão relacionadas com o termo genesiz (nascimento). Tudo que existe no Mundo, existe como presença e existência (natura, ousia, dasein).

Por sua vez, o conceito de Mundo (Mundus) sintetiza um sentido de conjunto de todas as realidades físicas consideradas enquanto realidades existentes, a saber: entes, entidades, padrões, estruturas, relações, situações e processos. Na teia gravítica dos significados, o termo Mundo está ligado ao termo grego Kosmos por uma relação de vizinhança compatibilizada numa rotatividade gravítica de ordem activa, enraizada no deslocamento cognitivo que sinalizou a passagem do pensamento mitológico, ao pensamento dito racional.

De acordo com alguma tradição, terá sido Pitágoras quem introduziu no pensamento grego a noção de Kosmos, como a ordem que preside e reside em todas as coisas. Contudo, a noção de Kosmos aparece, anteriormente, em Anaximandro (Diels, frg, 12A10) e Anaxímenes (Diels, frg, 13B2).

Natureza, Mundo e Cosmos estão graviticamente ligados a um deslocamento trajectivo de um eidos de ordem. Mas falar de ordem implica falar de sincronicidade, termo formado a partir do grego syn+kronos, que significa, literalmente, uma relação de simultaneidade entre tempos diferentes, o que elimina um pressuposto tentador de uniformidade redutora evidenciado por alguns discursos sobre a ordem. A ordem depende de diferenças e não de igualdades. A harmonia depende de diferenças compatibilizadas num ponto sistémico: padrão, estrutura, e assim: ordem.

Neste sentido, no fundamento de compatibilidade genética entre os termos Natureza, Mundo e Cosmos está um sentido de diferença irredutível constitutiva, sustentada por uma dinâmica de sincronicidade, abordável a partir de uma topologia de teia de solidariedade sincrónica rotativa.

Wednesday, April 15, 2009

Hegel: o Ser, o Nada e o Devir

Por: Maria Odete Madeira

No sistema das categorias lógicas hegelianas, o negativo lógico constitui-se como a possibilidade de o Ser, em si mesmo, enquanto posição imediata de coincidência permanente consigo mesmo, se saber, enquanto tal, ou seja: enquanto identidade.

Em si mesmo, na sua imediatez, o Ser, ou Absoluto, é, segundo Hegel, Nada, o que significa que na raiz constitutiva do Ser, considerado na sua igualdade e identidade consigo mesmo, está o Nada como o Mesmo que o próprio Ser. O que significa, ainda, que a unidade absoluta sintetizada e expressa pela identidade do Ser, ou Absoluto, é determinada por uma diferença relacional rotativa, deslocada no seio da própria unidade constituinte, considerada, esta, na sua identidade e integridade constitutivas.

De acordo com Hegel, o Ser é, pois, na sua origem, contradição consigo mesmo. Falar do Ser implica falar do Nada como o Ser Outro do Mesmo Ser. Deste modo, o Ser, enquanto sujeito, referência a si ou identidade consigo mesmo, na sua Verdade e Liberdade, é o movimento dialéctico de deslocação do Ser ao Nada, e do Nada ao Ser e, assim, o próprio Devir.

Thursday, April 2, 2009

Discurso científico e critérios de verdade

Por: Maria Odete Madeira


Em cada momento histórico são configuradas práticas humanas e sociais produtoras de discursos cientificamente organizados, cuja dinâmica de crescimento sinaliza a existência de uma genética interactivamente comprometida com o crescimento e desenvolvimento das referidas práticas, fazendo com que "a ciência seja mais uma epopeia do que uma progressão linear" (Varela, 2006) e, deste modo, a exigir procedimentos de análise crítica, perspectivicamente adequada à clareza, evidência e objectividade, necessárias a todo o discurso científico.

Assim, torna-se importante incorporar no discurso epistemológico critérios de análise, agilizados por dinâmicas operativas eficazmente descomprometidas, capazes de acompanhar a rotação topológica de quaisquer campos disciplinares científicos, sem se deixarem contaminar pelos mesmos.

Durante séculos, o rigor científico exigia critérios de verdade, com os quais a produção de juízos e a evidência empírica deveriam concordar e adequar e os enunciados deveriam evidenciar indubitavelmente. "A sabedoria e a integridade intelectual exigiam que se abandonasse os enunciados não comprovados e se reduzisse ao mínimo, mesmo em pensamento, o hiato entre especulação e conhecimento comprovado" (Lakatos, 1999).

Actualmente, toda a produção científica é adequada e concorda com a noção de verdade probabilística. O justificacionismo do verdadeiro foi rotativamente deslocado e substituído perspectivamente pelo justificacionismo do provável.

"O templo da ciência tem muitas divisões, e bem diferentes entre si são os seus residentes, tal como diferentes são os motivos que ali os conduziram. O Homem tenta criar para si mesmo, da forma que melhor lhe convenha, uma imagem do mundo simplificada e inteligível" (Einstein, 2005).

A rotação da noção de verdade desloca no território científico uma geometria acidentada que a aproxima dinamicamente daquilo a que se chama crença. É fácil encontrar por detrás de toda a teoria expectativas sentimentos e crenças. Subjacente a qualquer trabalho científico de nível superior, existe uma convicção – aparentada ao sentimento religioso – da racionalidade ou inteligibilidade do mundo (Einstein, 2005).

Subjacente, também, a qualquer trabalho científico está aquilo a que se pode chamar vivência da ciência (Weber, 2002). Espécie de embriaguez, mistura de afecções e afectos expectantes que somatizam e sintetizam o desejo de sucesso de umas e outras teorias, e com as/os quais quaisquer reflexibilidades e reflexividades epistemológicas terão de se relacionar e incorporar na sua perspectividade crítica.

"Antes de Einstein, a maior parte dos cientistas pensava que Newton tinha decifrado as leis irrevogáveis de Deus, comprovando-as a partir dos factos" (Lakatos, 1998). No entanto, a mecânica e a teoria da gravitação newtonianas colapsaram, servindo, posteriormente, de inspiração a modelos de crítica epistemológica como os de Popper e de Kuhn.

As proposições e as leis da ciência, em termos gerais, partilham o mesmo discurso binário: sim ou não, verdadeiro ou falso, adequado ou não adequado, concordando a comunidade científica entre si, pelo menos teoricamente, com a necessidade de minimizar a contaminação do trabalho científico, no que diz respeito à produção de juízos acerca de tudo aquilo que possa contribuir para a perda de objectividade dos mesmos.

Conforme Einstein (2005), “Para o cientista, existe apenas o «ser», mas não o desejar ou o valorizar, não há bem nem mal; não há nenhum fim (…) Há uma espécie de escrúpulo puritano no cientista que busca a verdade (…)”.Pretende-se que qualquer teoria possua um valor cognitivo autónomo generalizável.

É fundamental que toda a produção de juízo científico seja confrontada e suportada por critérios que exemplifiquem a sua legitimidade, coerência, consistência, plausibilidade e robustez.

A corrente indutivista procurou definir as probabilidades de diferentes teorias relativamente à totalidade dos seus elementos probabilísticos, ou seja, se uma teoria fosse considerada, em termos matemáticos, probabilisticamente elevada a mesma poderia ser considerada científica, se a sua probabilidade fosse baixa, ou nula, não seria científica. O valor científico na corrente indutivista era garantido pela exemplificação de uma probabilidade elevada.

Popper (1975) insurgiu-se contra o indutivismo, argumentando que o critério probabilístico, trabalhado pela corrente indutivista não validava o valor de verdade de quaisquer teorias, ou seja, o valor científico de uma teoria poderia ser determinado, independentemente do seu valor probabilístico. Um exemplo e apenas um exemplo poderia falsificar qualquer teoria.

Kuhn concorda com Popper (1979), quanto à crítica feita acerca dos critérios de validação científica dos procedimentos indutivos, relativos àquilo que poderia ser considerado como ciência e pseudo-ciência, mas discorda de Popper no que diz respeito ao critério falsificacionista. Segundo Kuhn (1979), quaisquer critérios de falsificação ou refutação são fundamentados ou pela lógica ou pela matemática, assim todas as cadeias de raciocínio aplicadas à critica das teorias são concluídas por um Q.E.D., constituindo a simples evocação do Q.E.D. a convocação do assentimento de toda a comunidade científica.

No entanto, todas as experiências podem ser refutadas quer quanto à relevância, quer quanto à exactidão, e todas as teorias podem ser modificadas ou ajustadas, sem por isso, em linhas gerais, deixarem de ser as mesmas teorias (Kuhn, 1979).

Considera Kuhn que quaisquer tipos de refutações, além de fazerem parte da pesquisa empírica normal contribuem para o desenvolvimento do conhecimento científico.