Por: Maria Odete Madeira
Em O Sofista de Platão, é refutada a tese de Parménides sobre o Ser. Pensando com Parménides acerca do Ser, tudo o que é possível dizer do Ser, ele próprio, é que o Ser, ele mesmo, é o que é.
No modelo de Parménides, a única afirmação legítima, acerca da verdade do Ser, é que a verdade do Ser é uma tautologia. Das coisas, dos entes ou entidades, apenas pode ser dito que são, elas mesmas, as próprias coisas, os próprios entes ou as próprias entidades.
Não abrindo lugar para os géneros e para a comunicação entre os géneros, Parménides fechou o discurso acerca do Ser imobilizando o próprio Ser no Ser. A tese de Parménides é a de que apenas o Ser é, definindo o Ser como um todo (uno) absoluto, indivisível, imóvel, finito, (acabado) e perfeito, semelhante a uma esfera cujas partes distam, igualmente, do centro.
Platão sinalizou a importância de construir uma nova tese que abrisse o Ser ao devir de si mesmo, enquanto Ser, em si mesmo, mantendo a sua integridade e, assim, a sua identidade. Para isso, o Não-Ser do Ser tinha, de algum modo, de poder ser.
Assim, foram considerados, em O Sofista: o Ser, o Movimento e o Repouso. Comunicariam, estes, entre si? Ou a comunicação não seria possível? Se a comunicação fosse possível, comunicariam todos? Ou uns comunicariam e outros não?
Quando falamos de alguém e dizemos que esse alguém é alto ou baixo, falamos, desse mesmo alguém, como se fosse múltiplo? Se pensarmos que os géneros não comunicam entre si, apenas podemos dizer de alguém que o mesmo alguém é alguém e que o alto é o alto, ele mesmo, ou que o baixo é o baixo, ele mesmo.
Se os géneros não comunicassem entre si, seria legítima a afirmação de que o discurso acerca do Ser apenas poderia afirmar que o Ser é o Ser. Se todos os géneros comunicassem com todos os géneros, daria uma certa confusão, pois, haveria combinações que, entre elas, seriam contraditórias. A hipótese aceitável, para Platão, era a de que alguns géneros comunicariam entre si e outros não, tal como as letras de um discurso, ou os sons de uma sinfonia.
Dos três géneros considerados: o Ser, o Movimento e o Repouso. O Movimento e o Repouso não comunicariam, mas o Ser comunicaria com os dois, porque ambos são. Assim, cada um deles é outro, em relação aos outros dois, e é o mesmo, em relação a si próprio. Temos, pois, que o Outro e o Mesmo são dois géneros que não são o Movimento, o Repouso ou o Ser. Podem considerar-se, assim, cinco géneros, a saber: o Ser, o Movimento, o Repouso, o Outro e o Mesmo.
O movimento é Ser porque participa do Ser, mas sendo Outro, relativamente ao Ser, é Não-Ser. Podemos, deste modo, pensar que assim se passa com todos os géneros. A natureza do Ser, tornando cada Um, Outro, relativamente ao Ser, faz dele um Não-Ser.
Assim, os outros são tantos, quantas vezes o Ser não é, pois, o Ser não é contrário ao Ser. É apenas outro, ou seja, a Alteridade, e não o impensável contrário absoluto do Ser. O movimento é o Não-ser do Repouso, o qual é, ele próprio, o Não-Ser do Movimento. É, pois, cometido o parricídio, o modelo de Parménides é refutado, por Platão: a natureza do Outro existe e fragmenta-se nas suas relações naturais. Cada porção de Ser que se opõe ao Ser é Não-Ser. Os géneros comunicam uns com os outros e o Não-Ser comunica com todos.
A partir de O Sofista, a negação do Ser pelo Ser adquiriu uma realidade ontológica efectiva irreversível, o Ser deixou de ser, apenas, Ser para passar a Ser: Ser e Nada.
Bibliografia:
Platão, Le Sofiste- Tomo VIII – 3ª. Partie, traduzido por Auguste Diès, Société d’Edition «Les Belles Lettres», Paris, 1985